Saúde
Surto do sarampo está relacionado à queda da produção de anticorpos e possíveis mutações do vírus
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O virologista Edison Luiz Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, esclarece dúvidas sobre a vacina contra o sarampo e explica como seu laboratório tem trabalhado no diagnóstico e na compreensão do recente surto da doença.
De acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, divulgado no dia 6 de agosto, o Brasil teve 907 casos confirmados de sarampo entre maio e agosto deste ano. Desse total, 810 (90%) indivíduos residem no município de São Paulo. Mas por que uma doença que era considerada erradicada desde 2016 voltou? Segundo o virologista Edison Luiz Durigon, pesquisador do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), a explicação para este surto pode estar relacionada à mutação do vírus: o distanciamento genético da cepa selvagem circulante nesse surto em relação à cepa contida na vacina.
Ele explica que o vírus do sarampo, embora possua um único sorotipo, está dividido em oito genótipos conhecidos (A, B, C, D, E, F, G e H) e 24 sub-genótipos. “A vacina foi feita com o tipo A e o surto que estamos enfrentando hoje é do tipo D-8. A vacina ainda é efetiva contra o tipo atual, mas não 100%: protege contra a doença, mas o indivíduo ainda pode contrair e transmitir o vírus”. Isso significa que, embora o indivíduo vacinado seja capaz de eliminar o vírus e não ter sintomas, ele pode transmiti-lo a alguém que não foi vacinado, contribuindo para o avanço do surto. Apenas aqueles que já tiveram a doença, ou seja, tiveram o vírus selvagem em seu organismo, estão totalmente protegidos.
Outra razão que explica o retorno da doença é a queda da produção de anticorpos, que começa a ocorrer 15 anos após a vacinação e torna mais difícil enfrentar o vírus que sofreu mutação. “Ao tomar a vacina, o indivíduo desenvolve uma memória imunológica: mesmo que os anticorpos caiam com o tempo, o organismo reconhece o vírus e produz mais anticorpos sozinho. Mas, por se tratar de um vírus diferente, essa produção não acontece a tempo, antes do vírus se replicar e provocar a doença”, explica Durigon. Por isso é importante tomar a dose de reforço: com mais anticorpos, o organismo estará mais preparado para combater o novo vírus.
Quem deve se vacinar – Todas as pessoas que não possuem registro da vacina na carteira de vacinação devem ser imunizadas. Além disso, é recomendado que pessoas com idades entre 15 e 29 anos (grupo de risco) tomem duas doses da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), com intervalo de 30 dias, mesmo que já tenham tomado quando crianças. Dos 30 aos 49 anos, a vacina é aplicada em uma dose. “Calcula-se que acima dos 45 anos todos já tiveram sarampo, por ser uma doença muito comum. No entanto, aqueles que não tiveram precisam se vacinar”, afirma o pesquisador.
Como a vacina contém o vírus atenuado (enfraquecido, mas vivo), gestantes e pessoas com imunidade comprometida não devem tomar a vacinar. Inclui-se nessa categoria pessoas que fazem uso de medicamentos imunossupressores, como quimioterápicos e corticoides.
O sarampo é uma doença altamente contagiosa que provoca sintomas como manchas vermelhas no corpo, febre alta, dor de cabeça, tosse e conjuntivite. As complicações mais comuns do sarampo são pneumonia e, em casos raros, doenças neurológicas.
Pesquisa – O laboratório do professor Edison Luiz Durigon recebe amostras de sangue, urina e saliva de pacientes com suspeita de sarampo para analisar e realizar o diagnóstico da doença gratuitamente. As amostras vêm de vários hospitais da cidade de São Paulo, como o Hospital Universitário da USP, a Santa Casa de Misericórdia, o Hospital Infantil Cândido Fontoura, o Hospital São Luís Gonzaga, entre outros. O professor Durigon ressalta que todas as amostras também são encaminhadas diretamente dos hospitais para o Instituto Adolfo Lutz.
Em troca, Durigon e sua equipe têm acesso a todos os dados clínicos, que estão sendo utilizados no projeto Neusa (Neutralização de Sarampo) para descobrir o quanto os anticorpos do paciente que tomou a vacina o protegem contra o vírus do surto. “Isolamos os vírus de cada paciente para verificar a sua variabilidade genética e ver o quanto eles estão mudando e qual dos genes sofre mais mutações. A mesma amostra de vírus D-8 pode sofrer mutações de uma pessoa para outra”.